De um lado, professores que acreditam que jogar vôlei e futebol supre a necessidade das práticas propostas para a disciplina de Educação Física. De outro, estudantes que só querem ir para a quadra bater bola e conversar com os amigos. Nesse cenário cada vez mais comum nas escolas, segundo os especialistas da área, o tempo que deveria ser aproveitado para conhecer a cultura do corpo não cumpre seu papel e as crianças deixam de ter contato com conteúdos muito importantes. Um deles é a saúde. "As aulas precisam ser planejadas de maneira ampla para possibilitar a discussão a respeito do que é qualidade de vida e o que tem de ser feito para alcançá-la", explica Douglas Andrade, pesquisador do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física (Celafics) em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo.
Para isso, não é preciso deixar de lado as atividades mais tradicionais, em que a garotada entra em campo e sua a camisa. É só combiná-las com o ensino de temas que envolvam conceitos de busca e manutenção da saúde, destacando as características de cada prática e como elas devem ser vivenciadas para beneficiar o corpo. Esse enfoque teórico é fundamental, pois apenas praticar exercícios físicos duas vezes por semana cerca de 45 minutos - tempo que a disciplina ocupa na grade curricular - não é o suficiente para provocar alterações muito significativas no organismo dos alunos. O objetivo do professor deve ser a difusão de novos conhecimentos e a mudança de comportamentos. As questões ligadas à saúde não fazem muito sentido se forem utilizadas esporadicamente ou para se exercitar a fim de emagrecer ou evitar doenças. "A prevenção pode ser o ponto de partida da conversa, mas a escola tem de ser um espaço para discutir aspectos mais ampliados, como a existência de espaços públicos para praticar esportes, o tempo que as pessoas dedicam ao corpo e o que é um corpo saudável", explica Andrade (leia a sequência didática).
É importante também que o docente ajude os alunos a decodificar as informações fornecidas pela mídia. "Temos de ajudá-los a distinguir hábitos saudáveis de sacrifícios para atingir um shape considerado perfeito", completa Renato Marques, da faculdade de Educação Física da Fundação Municipal de Ensino Superior de Bragança Paulista (Fesb) e doutorando da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Outra distinção que precisa ser feita nas aulas é entre atividade física - que não é intencional, como uma caminhada para ir até o mercado - e exercício físico - prática com intenção e supervisão de um profissional.
Atento a essas questões, Ademir Testa Junior resolveu revolucionar as aulas de Educação Física das turmas do 5ª a 8ª série na EE Capitão Henrique Montenegro, em Bocaina, a 248 quilômetros de São Paulo. No início, a garotada estranhou: em vez de ir para a quadra, ele propôs um debate sobre os conceitos de movimento, saúde e qualidade de vida. Foi então que os estudantes se deram conta de que pouco conheciam sobre exercícios físicos. "A ideia era mostrar como eles ajudam na conquista de uma vida saudável. Falamos também sobre hábitos alimentares e questões que despertavam curiosidade, como o uso de anabolizantes", conta o professor. O projeto foi tão bem organizado que rendeu a Testa Junior um troféu no Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10 de 2009 (leia o quadro ao lado). "A promoção da saúde não ficou reservada a algumas aulas. Permeou todo o planejamento anual e foi trabalhada com atividades diferenciadas", diz Fabio D'Angelo, coordenador pedagógico do Instituto Esporte e Educação, em São Paulo, e selecionador do Prêmio. Outro mérito de Testa Junior foi ensinar aos jovens a importância da pesquisa para a disciplina. "Alongamento, alimentação saudável e até práticas como ioga foram alvo de estudos teóricos e, enquanto a turma organizava as apresentações para socializar o que tinha sido descoberto, eu planejava como seriam as vivências práticas", lembra ele.
Movimentos conscientes
Ademir Testa Junior nasceu em Jaú, a 296 quilômetros de São Paulo, há 25 anos. Logo que concluiu a faculdade de Educação Física, foi lecionar na EE Capitão Henrique Montenegro, na vizinha Bocaina. Quando chegou à escola, encontrou uma situação que o incomodava: os alunos não encaravam a disciplina com seriedade. "Eles pensavam que a aula era só para descansar e se divertir", lembra. Para mudar o cenário, Testa Junior desenvolveu um projeto que focava os temas "saúde e qualidade de vida". "A ideia deu tão certo que resolvi estudar o assunto mais a fundo e estou fazendo mestrado na Argentina sobre a temática", conta.
- Objetivos
No trabalho com turmas do 5ª a 8ª série, Testa Junior queria mudar o conceito de Educação Física na escola. No início de 2008, ele propôs uma mudança na estrutura das aulas. "Em vez de focar só esportes, exploramos os termos movimento, saúde e qualidade de vida e como eles fazem parte das diferentes atividades físicas." Com isso, Testa Junior queria que os conceitos aprendidos fossem levados para fora da escola, para a prática dos jovens no dia a dia e para a população também.
- Passo a passo
Depois de discutir e pesquisar os temas, os estudantes foram orientados a pesquisar. "Cada grupo escolhia uma atividade física, buscava informações sobre como ela ajuda na busca pela qualidade de vida e depois socializava os resultados em seminários", explica Testa Junior. Enquanto os alunos preparavam as apresentações, ele planejava as aulas práticas para que eles vivenciassem o que tinham aprendido na teoria. Depois, com todos já craques no assunto, chegou a hora de compartilhar saberes com a comunidade. A garotada organizou uma coleta de dados dos moradores do entorno da escola para estudar seus hábitos e dar dicas de hábitos saudáveis. "Dediquei algumas aulas para conversar sobre a ação, pois todos tinham uma história para contar", lembra o professor.
- Avaliação
Além de analisar os conhecimentos que o grupo mostrou ter aprendido durante a ação comunitária, Testa Junior trabalhou o tempo todo com registros, uma atitude importante, mas ainda incomum entre os professores de Educação Física. E, após as apresentações, sempre havia um debate, que ajudava o docente a observar quais pontos precisavam ser retomados. As atividades práticas também foram avaliadas. "Era importante que todos tivessem consciência dos benefícios de uma vida saudável, não só como lazer mas também para melhorar a saúde e a qualidade de vida", conclui.
Testes ajudam a conhecer melhor o próprio corpo
Definir o que é um corpo saudável não é tarefa simples: diversos quesitos devem ser levados em conta. Apesar disso, alguns indicadores podem ajudar o aluno a conhecer o panorama geral de sua saúde. Eles também são excelentes para revelar que a mudança de hábitos tem influência a longo prazo na conquista de uma vida com qualidade. O Índice de Massa Corporal (IMC), por exemplo, que é obtido dividindo o peso (em quilos) pela altura (em metros) ao quadrado, sinaliza se a pessoa está com o peso adequado à sua altura. Outro dado relevante é a potência de resistência aeróbica, medida com o teste de Cooper, que tem como objetivo correr a maior distância possível em 12 minutos. "Esses instrumentos são válidos para perceber os riscos que alguns hábitos (comer demais, fumar e ter uma vida sedentária, por exemplo) acarretam. Porém é bom lembrar que os resultados não podem ser encarados como um diagnóstico completo e definitivo", pondera D'Angelo. Os estudantes estão em fase de crescimento e, por isso, os resultados variam. Testa Junior, por exemplo, orientou seus alunos a aplicar o que tinham aprendido para orientar os moradores da região a respeito da importância de cuidar do corpo - e como fazê-lo. E sinalizou a validade de aliar o IMC e outros dados aos saberes das aulas teóricas e práticas para desenvolver o hábito da prática pessoal, viabilizando assim a autonomia de todos na atividade física, um dos objetivos da disciplina.
Por: Bianca Bibiano (bianca.bibiano@abril.com.br),
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