Márcio Pinho
Da reportagem local
A decisão do governo de São Paulo de reduzir o número de aulas de história no ensino médio para compensar a inclusão de sociologia e a ampliação de filosofia, exigências previstas em lei federal, é parte de "um conjunto de barbaridades" que mostra a falta de um projeto geral para educação pública no Brasil. A opinião é do historiador Flávio de Campos, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Autor de livros como "Escrita da História" e "Ritmos da História", Campos lecionou por 15 anos no ensino básico e é doutor em história social pela USP.
Para ele, a lei sancionada em junho não foi adequadamente debatida com o meio acadêmico.
Cabe aos Estados decidir como adotá-la. Em São Paulo, alunos da rede pública perderão, nos três anos, 80 aulas de história no ensino diurno e 120 no noturno. Também haverá redução em educação física, geografia e língua estrangeira.
FOLHA - Como o sr. vê a lei?
FLÁVIO DE CAMPOS - Uma sucessão de equívocos, um conjunto de barbaridades. Começou pelo estabelecimento de disciplinas por meio de uma lei. É o caminho exatamente inverso do que se espera para a discussão da educação no país. Qual caminho imagino ser correto? Primeiro, uma discussão de projetos por parte de educadores, professores e pesquisadores para envio ao Congresso. Uma discussão ampla, transparente e com uma agenda. Nada contra filosofia e sociologia, mas a discussão tem que passar pela base, pelos professores.
FOLHA - E a atitude em SP?
CAMPOS - A segunda grande barbaridade é retirar história e geografia. Mal se consegue cumprir a programação de história e estabelecer um desenvolvimento razoável de competência e habilidades com a carga que já existe.
Duvido que filosofia e sociologia consigam ser ministradas com essa carga também reduzida. Não vai se conseguir ministrar essas disciplinas com um mínimo de aceitabilidade e vai tornar ainda mais capenga do que já são os ensinos de história e geografia.
FOLHA - Que outras implicações essa alteração na grade pode ter?
CAMPOS - Ela obriga a repensar a área de ciências humanas como um todo - e não pensando especificamente numa disciplina ou outra-, elaborando projetos pedagógicos que reestruturem a programação curricular da área. Isso remete ao que seria outra barbaridade: a falta de um projeto geral para educação pública no Brasil. Há alguma iniciativas até positivas, o que não é o caso dessa.
FOLHA - O prejuízo é maior por ser em história?
CAMPOS - A matéria de história tem um significado fundamental. É dotar os alunos de habilidades e competências para que ele possa analisar diversas formações sociais ao longo do tempo, inclusive a nossa. Sou historiador. Mas não faria uma discussão mesquinha de que, se fosse em física, o corte seria menos criminoso. Todas as disciplinas, mais que a transmissão de saberes, têm que transmitir um conjunto de habilidades e competências que permita aos meninos descortinar o mundo em que vivem.
FOLHA - Por que acha que história figura nas disciplinas com cortes?
CAMPOS - Por detrás disso existe um certo preconceito de que as disciplinas fundamentais são português e matemática. As ciências naturais são ciências.
E a área de humanidades é algo meio decorativo, no duplo sentido: é superficial, supérfluo; e basta decorar. Isso já está disseminado na sociedade.
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