De uma forma geral, as aulas de Educação Física na maioria das escolas brasileiras têm se caracterizado pelo laissez-faire, sendo raro alguns professores que dão à disciplina um cunho pedagógico e, mais raro ainda, os que trabalham numa perspectiva crítica. É evidente o descompromisso da maioria absoluta dos professores com uma postura político-pedagógica da Educação e da Educação Física. Pautada numa tendência espontaneísta, voltada para atividades livres características de lazer, ela não tem sido capaz de provocar nos alunos uma reflexão crítica acerca destas práticas, pouco contribuindo para um projeto de educação emancipatória e superadora.
Os argumentos em favor do lazer não são poucos e no âmbito da Educação Física eles estão presentes desde os seus primórdios. A constituição do campo do lazer surgiu na segunda metade do século XIX com a preocupação da ocupação saudável e produtiva do tempo livre. Segundo Marcassa (2004), a recreação atrelada à escola surge como uma forma de organização do lazer. Costa (1983) evidenciou que a recreação na escola objetivava corrigir e desenvolver hábitos voltados para disciplina e domesticação, o que Lenharo (1986) convencionou chamar de "docilização coletiva dos corpos".
Marcassa afirma que "a recreação é prima próxima da Educação Física" (2004, p. 196) e Werneck (2000) e Melo (2003) chegam a dizer que a criação dos primeiros cursos de Educação Física no país se deveu ao desenvolvimento de práticas recreativas que demandavam profissionais especializados.
Amplamente utilizada pela Educação Física até hoje, a recreação se tornou propriedade desta pelo seu caráter técnico-operacional, se consolidando como um saber-instrumento a ser desenvolvido por ela. Como conteúdo ou como atividade, a recreação na Educação Física Escolar tem se valido do prazer para desenvolver "brincadeiras pedagógicas". Este termo vem entre aspas por respeitarmos diversas concepções que definem o caráter espontâneo da brincadeira e afirmam que se ela for dirigida ou tiver outros objetivos que não seja o brincar, ela deixa de ser brincadeira. Talvez aí resida a diferenciação entre brincadeira e recreação, onde uma mesma atividade pode ser classificada como ambas: a primeira praticada pelas crianças no seu tempo livre, com livre organização, sem espaço-tempo determinado para iniciar ou acabar, integrada por qualquer número de participantes que se permita, sem nenhum compromisso que não seja o brincar pelo brincar. Já a segunda, aparece de forma institucionalizada, em espaço-tempo definidos, através de "brincadeiras dirigidas" (utilizamos aspas pela mesma justificativa anterior), conduzidas por um professor na escola ou um instrutor-recreador no clube, colônia de férias etc.
A recreação na Educação Física Escolar sob forma de "brincadeira dirigida" parte do princípio que ela é um conteúdo escolar que deva ser ensinado as crianças. Desta forma, segundo Debortoli, "o objetivo principal ressaltado para essas 'atividades' é o de ensinar a brincadeira, mas não necessariamente o de brincar" (2004, p. 22). Inclui o ensino de gestos, regras, comportamentos e brincadeiras novas que as crianças ainda não conhecem, tornando a brincadeira "coisa séria", matéria escolar.
A expressão "brincadeira é coisa séria" freqüentemente é utilizada quando se quer evidenciar a importância da brincadeira na escola como meio de desenvolvimento de conteúdos, habilidades ou valores sociais incompatíveis com o brincar da criança: a brincadeira não se submete a um sistema de regras e objetivos para estruturar sua experiência; quando isso acontece, chamamos de recreação. Este discernimento só é feito pelos adultos que, munidos de seus objetivos educacionais, pedagogizam as brincadeiras e as utilizam não pelos seus objetivos intrínsecos (afetivos, cognitivos e psicomotores, ao mesmo tempo e em uma mesma atividade, conforme evidenciou Costa, 1991), mas como subsidiárias de outras aprendizagens escolares consideradas mais importantes: histórica, geográfica, científica, lingüística, lógico-matemática. Neste sentido, Debortoli exemplifica um fato que qualquer professor de Educação Física já vivenciou na escola:
"Nem sempre a brincadeira do adulto é brincadeira para as crianças: às vezes os adultos criam uma circunstância chamando de brincadeira algo que para as crianças não tem nada de brincadeira. As crianças fazem de tudo para se livrar desta situação: dispersam-se e fazem bagunça; são ameaçadas, por exemplo, de não deixar fazer as brincadeiras seguintes caso não participem da brincadeira proposta. Essa e uma situação extremamente paradoxal, e as crianças chegam a perguntar, no meio da brincadeira, a que horas elas vão poder brincar" (2004, p. 23).
Sendo a Educação Física legalmente constituída como um componente curricular da educação básica e a escola reconhecida como um espaço-tempo de trabalho, cabe refletirmos se deve existir nela espaços de lazer e com quais justificativas. A escolarização em todos os níveis se ocupa de preencher todo o tempo de permanência dos alunos com atividades formativas e informativas visando a formação para o trabalho, onde o lazer e o tempo livre não fazem parte deste universo. A exceção do tempo de intervalo (ainda hoje equivocadamente chamado recreio), não há qualquer alternativa onde os alunos possam manifestar seus desejos e exercer sua livre iniciativa. Fazemos questão de diferenciar recreio de intervalo, pois neste, salvo raríssimas exceções, é um tempo tão curto que mal dá para beber água, ir ao banheiro ou fazer um lanche; tendo que voltar logo em seguida para a sala de aula para fazer atividades importantes.
Como a recreação, os jogos e esportes são elementos da cultura de movimento trabalhados pela Educação Física, a simples participação dos alunos nestas atividades, com qualquer objetivo ou mesmo sem objetivo, tem sido considerada aula de Educação Física. O lúdico deve ser essencialmente educativo.
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