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Educação Física Escolar: Fazer Hoje o Que For Possível Hoje







As novidades instaladas na Educação Física, as quais nasceram em forma de concepções e práticas que tendiam a transformação e libertação da área, na perspectiva de desenvolvê-la, voltando-a para o ser humano, trouxeram propostas diferentes de tudo o que havia sido experimentado visto que a Educação Física que se tinha até então servia para a manutenção do status quo.

Vago (1997), referindo-se ao que a Educação Física escolar vinha sendo como resultado de suas representações ao longo da história e o que ela poderia vir a ser, partindo dos esforços em problematizá-la empreendidos a partir do movimento renovador, pontua:

"’Sou um pouco de tudo o que encontrei pelo meu caminho’, escreveu Ulisses. Assim, também, penso que a educação física "de hoje" é (ou estaria sendo) resultado das múltiplas representações e práticas produzidas e realizadas sob seu nome, em seus percursos históricos, como nos ‘retratos’ há pouco apresentados. Mas é também importante registrar, neste item, um enorme esforço de problematização do ensino de educação física que estudantes e professorado de educação física vêm realizando principalmente a partir do final dos anos 70 e início da década de 80. Resultados de tal esforço podem ser notados, dentre outros, na vasta produção de literatura acerca da educação física na escola, inclusive com formulação de propostas de organização de seu ensino" (p. 6-7 grifo nosso).

É a partir desse movimento que surgem elaborações teóricas acerca da Educação Física escolar, formulando proposições com o intuito de organizar o conhecimento específico para a Educação Física, tratando de pedagogizar e metodizar tal conhecimento. Segundo Souza Júnior (1999), nem todas as propostas conseguem atender a totalidade dos pontos necessários para uma significativa contribuição ao novo enfoque. Poucas são as que atendem. Essas vão da operacionalização de conteúdos sob o ponto de vista pedagógico e metodológico, indo até o entendimento de como avaliar, porém, o autor, ao citar Castellani Filho, (1999), enfatiza: "todas essas propostas surgem num esforço de contribuir para a superação da crise instalada na Educação Física, numa tentativa de torná-la legítima e autônoma no currículo escolar" (p. 21).

Podemos verificar dois grupos de abordagens com base no quadro montado a partir da tese de doutorado de Castellani Filho(1999):


Grupo I: Concepções não-propositivas - Abordam a Educação Física escolar sem, contudo estabelecerem parâmetros ou princípios metodológicos, ou, muito menos, metodologias para o seu ensino:
Abordagem Fenomenológica - Silvio Santin e Wagner Wey Moreira
Abordagem sociológica - Mauro Betti
Abordagem Cultural - Josimar Daolio


Grupo II: Concepções propositivas - Concebem uma outra configuração de Educação Física escolar, definindo princípios identificadores de uma nova prática, subdividindo-se em (a) não-sistematizadas e (b) sistematizadas:
a- não sistematizadas::
Concepção desenvolvimentista - Go Tani
Concepção construtivista - João Batista Freire
Educação Física ‘Plural’- Jocimar Daolio
Concepção de ‘Aulas abertas’
Concepção Crítica-Emancipatória - Elenor Kunz
B- sistematizadas:

Concepção da Aptidão Física
Concepção Crítico-superadora - Coletivo de autores

No geral, dessas tendências que enriqueceram a Educação Física escolar, podemos depreender algumas significativas contribuições, tais como: conhecimento científico; pensamento crítico do professor e alunos em relação ao corpo e ao movimento; busca da criatividade; maior e diversificado envolvimento dos alunos nas aulas; maior fundamentação; diversificação de conteúdos (temas da cultura corporal); recusa ao autoritarismo; recusa ao elitismo; preocupação com a inclusão de todos (habilidosos, não-habilidosos e especiais); apelo teórico-prático (ação-reflexão-ação / saber-fazer e saber-sobre); sugestão de interdisciplinaridade; princípio da ludicidade; participação efetiva do professor nos diversos espaços e tempos escolares; proposta de avaliação.

Por outro lado, ao fazer uma revisão de boa parte da vasta bibliografia que compõe o Movimento renovador, Caparroz (1997), mesmo reconhecendo a rica contribuição dos estudos do período, tece significativos comentários críticos. Destacamos um, neste momento, com o intuito de evidenciar uma situação que deve ser evitada, mas que pode ocorrer frente ao afã na busca do conhecimento e intervenção pedagógica reconhecidos:

"Uma das saídas encontradas é a conquista do status de que gozam as outras disciplinas, como matemática e a língua portuguesa, através de atividades físicas que dessem ênfase ao desenvolvimento cognitivo. Desta forma, na tentativa de "desnudar a Educação Física escolar, com o objetivo de vê-la no seu íntimo", para melhor compreendê-la, acabam por tirar não apenas suas roupas, mas também sua pele, suas características peculiares, tornando-a tão genericamente parecida com as demais disciplinas que perde a sua especificidade. Nessa tentativa de encontrar seu status junto às demais disciplinas, a Educação Física escolar entra pelo caminho da negação de si própria(...)" (p.148).

Além dos cuidados de implantação de uma prática renovada, significativa e respeitada junto à escola, que não se submeta a desfigurar-se para garantir status, Darido (1999) nos aponta um possível caminho para o debate acadêmico, que para muitos é inadmissível. Talvez nesse sentido, o cotidiano escolar (o chão da escola) possa contribuir muito:

"(...) um modelo de Educação Física que fuja dos moldes tradicionais precisa abarcar as abordagens que tenham um enfoque mais psicológico (desenvolvimentista e construtivista) à aquelas com enfoque mais sociológico e político (Crítico-superadora e sistêmica). Reconheço que ainda temos um longo caminho na busca dos acordos do qual somos responsáveis" (p 30).

A Educação Física escolar defendida aqui é perspectivada como uma área de intervenção social, comprometida com a aquisição crítica do saber para o processo de emancipação dos seres humanos. Para tanto, considera a cultura como referência para o entendimento do corpo e do movimento humano, o que não significa excluir as outras dimensões de tal manifestação humana, desvencilhando-se da visão reducionista exclusivamente biológica que predominou ao longo de seu percurso histórico. Essa proposta de ensino-aprendizagem das questões da cultura corporal situa professor e aluno como sujeitos históricos, permitindo um diálogo constante entre eles e procura desfazer, definitivamente, as amarras que mantinham distantes corpo e cultura, corpo e pensamento.

A Educação Física enquanto disciplina do currículo escolar enfocada como uma das áreas de conhecimento a serem passadas aos alunos, tem como seu conteúdo as práticas da cultura corporal - ou cultura de movimento - (danças, esportes, lutas, jogos, brincadeiras, ginásticas etc.) inserida num contexto social amplo - do local ao global, do ontem ao hoje - considerando o movimento humano como produção social acumulada ao longo da história.

Como tratamento desse conteúdo, o melhor caminho se encontra na relação dialética entre teoria e prática com o objetivo da valorização da ação-reflexão-ação - saber-fazer e saber-sobre - representando um constante desafio para professores e alunos na busca de transformação da natureza e, como conseqüência, a própria transformação do grupo. Nesse sentido, a Educação Física pode ocupar todos os espaços pedagógicos da escola, não somente as quadras como de costume, sem, é claro, perder a sua essência, o movimentar.

Agora, sabemos das dificuldades de implantação de propostas progressistas para a escola, em particular para a Educação Física. Bracht (1999) já apontava tais dificuldades que parecem perdurar. As razões são muitas e diversas. Vão desde a pressão do contexto cultural e do imaginário social da Educação Física, que persiste e é reforçado pelos meios de comunicação de massa, até o fato de que a formação de muitos dos atuais professores ocorreu em cursos de graduação cujo currículo ainda fora inspirado em paradigmas conservadores, passando pelo fato de que as pedagogias progressistas em Educação Física ainda precisam ser retocadas.

Quanto à dimensão da empreitada que se tem pela frente, Bracht (1999) nos mostra seus contornos:

"O desafio se amplia na medida em que essas mudanças ou permanências estão articuladas com as estruturas e os movimentos sócio-históricos mais amplos que são o alvo, em última instância, das pedagogias progressistas. Essas pedagogias se nutrem de um projeto alternativo de sociedade que precisa se afirmar diante do hoje hegemônico (o que nutre a resistência ao novo). Daí a importância de uma leitura adequada da realidade que possa se articular com um projeto alternativo realizável "(p. 86, grifo do autor).

Para tanto, ao finalizar essa seção, deixamos, nas palavras de Paulo Freire, citado como epígrafe por Souza Jr. (1999), o que acreditamos enquanto processo de realização de uma proposta alternativa para a Educação Física escolar:

"A melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanhã alguma coisa que não é possível de ser feita hoje, é fazer hoje aquilo que hoje pode ser feito. Mas se eu não fizer hoje o que hoje pode ser feito e tentar fazer o que hoje não pode ser feito, dificilmente eu faço amanhã o que hoje também não pude fazer" (p. 19).

Então, mãos à obra! Fazer hoje o que for possível para a Educação Física hoje... enquanto área de conhecimento da escola.

Obs. O autor, prof Fernando Luiz Seixas Faria de Carvalho (fernandoseixas@acessa.com) é mestrando na UFJF e prof. da Faculdade Metodista Granbery

Referência bibliográfica

Betti, Mauro. Educação Física e Sociedade. São Paulo: Editora Movimento, 1991.
Bracht, Valter. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
¬¬¬__________. Educação Física / Ciências do Esporte: que Ciência é essa? Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Maringá, V. 14, n. 3, p. 111-118, mai. 1993.
¬¬¬__________. Educação Física: conhecimento e especificidade. In: SOUSA, Eustáquia S. & VAGO, Tarcísio M. (Orgs.). Trilhas e Partilhas: educação física na cultura escolar e nas práticas sociais. Belo Horizonte: UFMG, 1997.
¬¬¬__________. Educação Física & Ciência: cenas de um casamento (in)feliz. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1999.
¬¬¬__________. A constituição das teorias pedagógicas da Educação Física. Cadernos CEDES. Antropologia e educação: interfeces do ensino e da pesquisa. Campinas, v. XIX, n. 48, p. 69-88, 1999.
Caparroz, Francisco E. Entre a Educação Física da Escola e a Educação Física na Escola: A Educação Física como componente curricular. Vitória: UFES, Centro de Educação Física e Desportos. 1997.
Castellani Filho, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. Campinas: Papirus, 1988.
Darido, Suraya C. Educação Física na Escola: questões e reflexões. Araras, SP: Ed Topázio, 1999.
Souza Junior, Marcílio. O saber e o fazer pedagógicos: a educação física como componente curricular? Isso é história! Recife: EDUPE, 1999.
Vago, Tarcísio M. Rumos da Educação Física Escolar: o que foi, o que é, o que poderia ser. Anais do II Encontro Fluminense de Educação Física Escolar. Niterói: UFF, 1997.
¬¬¬__________. Cultura escolar, cultivo de corpos: Educação Physica e Gymnastica como práticas constitutivas dos corpos de crianças no ensino público primário de Belo Horizonte (1906 - 1920). Bragança Paulista: EDUSF, 2002.


Por: Fernando Luiz Seixas Faria de Carvalho.
IX EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar

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