Pouco antes de as 204 delegações desfilarem, um grupo de crianças entrou em cena com mochilas escolares e faziam pinturas, como se estivessem em sala de aula. Com isso, os chineses uniram a educação ao esporte e deixaram um recado a todas as nações: o esporte faz parte do processo de ensino-aprendizado.
Jogar para estudar
Ao mesmo tempo em que as instituições de ensino querem que todos os alunos sintam-se estimulados a participar da prática de atividade física, também se preocupam em dar suporte para aqueles que decidem ter o esporte como profissão.
Algumas escolas têm programas de concessão de bolsas de estudos para atletas que cursam o ensino fundamental ou médio. No ensino superior, apesar de poucas iniciativas, há investimento na formação profissional de atletas.
O jogador de rúgbi Carlos Henrique de Oliveira, de 18 anos, é um dos esportistas que conseguiu uma bolsa para a graduação. Há seis meses, trocou São José dos Campos, no interior paulista, por Curitiba, onde é pago para treinar e fazer a faculdade. "Escolhi cursar Educação Física porque quero me manter nessa área de atuação. Se não fosse pela bolsa, provavelmente não estaria mais estudando", diz o jogador.
O coordenador de pesquisa e extensão das Faculdades Integradas do Brasil (Unibrasil), Valter Cunha Filho, afirma que o objetivo da instituição, ao conceder o benefício a Oliveira e outros dez atletas, "é possibilitar que esses atletas possam fomentar o rúgbi na nossa cidade e que eles continuem a se desenvolver como cidadãos."
Ao mesmo tempo em que os olhos do mundo permanecem em Pequim até domingo para descobrir quem serão os donos das últimas medalhas em disputa nas 34 modalidades, cria-se uma oportunidade para instigar milhões de jovens para a prática de atividades físicas.
"Os Jogos Olímpicos são um fator motivacional muito forte. Mas os pais precisam lembrar que o esporte de alto rendimento é para poucos", destaca o doutor em Desenvolvimento Motor, Wagner de Campos. Ele diz que, por outro lado, a prática de exercícios precisa fazer parte da vida das pessoas desde o começo, especialmente na fase escolar.
No Brasil, a Educação Física é disciplina obrigatória desde 1937. De lá para cá, passou por muitas mudanças para cumprir a proposta de ser uma prática que efetivamente contribua para formar cidadãos.
Amor e ódio
Na década de 1930, a Educação Física tinha a função de adestrar o físico "como maneira de preparar a juventude para a defesa da nação e para o cumprimento dos deveres com a economia", como descreve o texto introdutório dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) da Educação Física, publicados em 1997 pelo Ministério da Educação e do Desporto. Não é de se estranhar que os alunos daquela época não tinham nas aulas de ginástica sua maior motivação para ir à escola.
Em décadas seguintes, o motivo que mantinha a Educação Física longe da preferência dos estudantes era a visão implantada nos anos 1970 de que das quadras das escolas sairiam os grandes atletas brasileiros. Foi nessa geração que a coordenadora institucional Neli Melo "ganhou" o trauma de bola e o pavor das aulas de Educação Física. "Começava pelo uniforme, que era uma coisa horrorosa. Era uma saia com pregas com um shortinho por baixo. Quem ia bem na aula eram aquelas crianças mais arteiras, que já chegavam na escola sabendo jogar vôlei, futebol, queimada. Eu era uma aluna exemplar, mas quase reprovava em Educação Física", conta. Hoje, Neli é mãe de Letícia Melo Glüc Spercoski, de 12 anos, que, ao contrário da mãe, tem na disciplina um de seus momentos favoritos no colégio.
Wagner de Campos explica que a disciplina passou por modificações profundas nas últimas décadas que justificam o apreço de Letícia (e de tantas outras crianças do século 21) pela disciplina. "Essa visão tradicional, de procura de atletas, inibe a participação de grande parte das crianças", afirma. E enfatiza que atualmente o foco é possibilitar "a vivência motora para o entendimento do ser humano e do seu papel na sociedade". Nessa perspectiva, prossegue, o jogo, a brincadeira, a luta e a dança têm papel fundamental na educação. "A atividade física deve ensinar a criança como se relacionar com o meio em que está inserida e contribuir para o desenvolvimento afetivo, motor e cognitivo", completa.
"Na aula, aprendo as técnicas dos esportes, mas também tem sempre outras brincadeiras. O professor inventa jogos e a gente ajuda a fazer as regras. E nos tratamos como iguais. Os que jogam melhor ajudam os que não jogam tão bem", conta Letícia, que agora quer ter aulas de handebol fora do horário de aula. Sem perceber, a garota vivencia muitas das experiências que os especialistas consideram fundamentais e positivas na prática desportiva.
Desenvolvimento global
Embora a lei brasileira exija que a Educação Física seja obrigatória no ensino fundamental e médio (da 1ª série até o fim do terceirão, sendo opcional nos cursos noturnos), as instituições de ensino têm optado por introduzir a atividade física já na educação infantil, com base nos benefícios em sala de aula (e fora dela) que a prática proporciona.
E a lista não é pequena: os especialistas destacam, em primeiro plano, o desenvolvimento motor e da estrutura corporal. Neste campo estão fatores como coordenação motora, lateralidade e equilíbrio. Há também os aspectos diretamente ligados à saúde. "Ocorre a estimulação cardiovascular e fisiológica, que fundamentam o físico para o futuro, além de criar hábitos saudáveis, inclusive em relação à nutrição", afirma Wagner de Campos.
A pedagoga e diretora-geral dos colégios Dom Bosco, Lucélia Secco, inclui o desenvolvimento moral. "A criança aprende o respeito às regras, à hierarquia, a conviver com o diferente, a controlar suas vontades em favor do grupo, aprende que deve finalizar o que começa, a contornar imprevistos". Lucélia enfatiza ainda que o gosto pela Educação Física é natural. "É uma disciplina que mantém o corpo em movimento. É um momento de prazer. O movimento e a curiosidade são dois aspectos estruturantes do comportamento humano e que estão constantemente presentes na atividade física", diz.
O especialista Wagner Campos soma à lista o benefício do desenvolvimento afetivo, a potencialização do processo de sociabilização e ainda os aspectos social e cultural. "A capoeira e a dança trabalham a questão física junto ao conteúdo da cultura popular brasileira", exemplifica.
"Mas o aproveitamento das potencialidades do esporte depende do tipo de atividade e esforço requerido. Não dá para pensar que criança é um adulto em miniatura e dar uma grande carga de trabalho. Ela não vai agüentar", diz o psicólogo presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia do Esporte (Sobrape), Benno Becker Junior. Mas se os limites forem respeitados, prossegue, a atividade física contribui para reduzir os níveis de ansiedade e depressão e apresenta "uma série de fatores psicológicos e sociais que contribuem para a elevação da qualidade de vida."
Competir é preciso?
Melhorar a saúde respiratória foi a vantagem que os pais da estudante Alessandra Marchioro, 15 anos, viram ao matriculá-la, por recomendação médica, na natação. Mas a menina, que , desde os 6 anos, divide-se entre a sala de aula e o esporte, pegou tanto gosto pelas braçadas que tem ganhado do cronômetro nas provas de 50 e 100 metros de nado peito, e faz parte da seleção brasileira juvenil. O preço é a briga com o boletim.
Para não ter sua formação escolar prejudicada, ela conta com o apoio do colégio, que permite remarcar provas se tiver competição na mesma data e oferece aulas de reforço. Em último caso, é o pai quem ajuda nas tarefas escolares. Tudo isso, afirma Alessandra, tem um objetivo muito claro: o topo do pódio olímpico. "Conversei com a minha mãe que a próxima Olimpíada vai ser no mesmo ano em que eu estaria prestando vestibular". O que vai priorizar? Os treinos. "Mas sei que o estudo é importante. Carreira de atleta não é para sempre", lembra a nadadora.
Além de não ser para sempre, também não é para todos. "A competição de alto rendimento é muito cruel", resume o coordenador da graduação em Educação Física da Faculdade Dom Bosco, Danilo Schier da Cruz. Porém, não é por isso que o estudante deve ser preservado e ficar isento de participar de eventos em que vitória e derrota estejam em jogo. "São valores que fazem parte da vida. Na competição, o indivíduo aprende a traçar metas e a planejar como alcançá-las, a reorganizar a estratégia, a ouvir seus colegas e técnicos, a comandar", diz o supervisor de Esportes e Cultura das Escolas Positivo, Zair Cândido Netto. Ele destaca que o respeito às regras do jogo e ao oponente também são exercitados nas disputas.
O primeiro contato com o esporte não precisa vir de indicação médica, como no caso de Alessandra. O coordenador de Esportes e Educação Física do Colégio Expoente, Adauto de Paula Pinto Junior, conta que a melhor forma de oferecer uma atividade física para a criança é deixar que ela escolha. "Temos o desafio de fazer o exercício ser interessante, em uma época em que o computador e o vídeogame são fortes concorrentes. Um meio é servir de exemplo. Vale levar para caminhar no parque, sair para pedalar. A criança tem de se exercitar com alegria", indica.
O professor destaca que é natural que a criança queira mudar de esporte. "É experimentando que ela vai achar a atividade com a qual terá mais afinidade. Não adianta querer que o filho nade só porque dizem que é um dos esportes mais completos."
Treino na escola
As escolas, em especial as particulares, têm dado aos alunos a chance de fazer test-drives esportivos dentro das próprias instituições. São as escolinhas de esportes que o estudante pode freqüentar no contraturno. As modalidades vão desde o futebol e o voleibol, passando pelas aulas de dança, judô e natação, até aulas de esgrima.
Foi assim que o estudante Roberto José Covaia Kosop, de 14 anos entrou em contato com os esportes. O garoto não se satisfez em escolher apenas um e ficou logo com três: joga tênis, voleibol e tênis de mesa.
"Fazer esportes no colégio é mais divertido porque você já conhece todo mundo. E os treinos e os jogos acabam servindo de assunto no intervalo do dia seguinte", diz Kosop, que começou jogando futebol de salão na pré-escola, mas acabou trocando os chutes a gol pelas raquetes há oito anos.
E quem pensa que com tanto treino ele descuida do boletim, Kosop garante que não é bem assim. "Uma vez, minhas notas caíram porque estava faltando muita aula para participar de torneios. Minha mãe conversou comigo e tive de ajustar minhas prioridades", conta. Ano passado, foi eleito o melhor aluno da 8ª série no seu colégio.
Limites
Os especialistas ressaltam, porém, que toda atividade física deve ser mediada por um profissional da Educação Física e, no caso de crianças e adolescentes, precisam da mediação dos pais. "É importante ter o bom senso. Antes dos 10 anos, não é indicado que as crianças participem de competições e, mesmo depois dessa idade, não se deve cobrar resultados, para não impor um estresse ao jovem, o que pode resultar em desmotivação", diz Adauto Junior.
Para evitar que isso ocorra, Campos afirma que deve-se lembrar sempre que o objetivo da atividade física é a formação do indivíduo
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